António Lobato (1938-2024), maj pil av ref: no cativeiro (maio de 1963 / novembro de 1970) sempre recusou a liberdade em troca da denúncia, aos microfones da rádio, da guerra colonial. Mas em carta à mulher, datada de Kindia, 22/5/65, escreveu: (...) "Houve momentos de fraqueza em que quse me arrependi de ter recusado essa liberdade, hoje porém agradeço a Deus o ter-me dado a força necessária para resistir" (pág. 125).
1. Releia-se a notável descrição do encontro do António Lobato com o já então mítico 'Nino' Vieira, escassos dias a seguir à sua captura: vd. páginas de "Liberdade ou evasão: o mais longo cativeiro de guerra", 1ª ed. Amadora, Erasmos Editora, 1995, pp. 62/64).
(...) " Diz então, como quem se gaba dos poderes absolutos que detém, que poderia reenviar-me para Bissau ou que poderia até matar-me, mas que não irá fazê-lo pelo facto de há quinze dias atrás, ter recebido ordens de Amílcar Cabral, para fazer prisioneiros e dirigi-los a Conacri" (...) (pág. 63). (vd. no ponto 2 um excerto mais completo.)
'Nino' Vieira em mensagem posterior a Aristides Pereira, que a seguir se transcreve, faz referència a este encontro (no seu "quartel-general" em Darsalame):
(...) "Recebi a vossa carta com o n/ camarada Seni, no qual tomei conhecimento de que o tal piloto [António Lobato] mudou da ideia que tinha quando [se] encontrava em n/ poder cá dentro."...
Segundo o tratamento arquivístico desta correspondència, pela Fundaçáo Mário Soares, isto queria dizer: "Recusa do piloto [António Lobato] de prestar uma declaração contra a guerra colonial"...
É a única referència ao António Lobato que encontrámos até agora no Arquivo Amílcar Cabral. (*)
(...) "Foi por isso mesmo que, em 1999, quando o então Presidente guineense Nino Vieira o convidou para almoçar, António Lobato não pensou duas vezes. Ao longo de um par de horas, conversaram e recordaram os tempos em que um tinha estado à guarda do outro. Dias depois, quando fez check-out do Hotel 24 de Setembro, a funcionar no local onde décadas antes tinha sido a messe dos oficiais portugueses em Bissau, o piloto descobriu que a sua estadia já tinha sido paga — nada menos do que pelo primeiro Presidente da República da Guiné Bissau.
“Depois, quando perdeu o mandato, fugiu da Guiné e veio para Portugal, os jornalistas perguntaram-lhe se tinha cá alguém conhecido e ele respondeu: ‘Tenho um amigo, o Lobato!’”, continua a recordar. “Isto não cabe na cabeça de ninguém, mas para ele eu era um amigo, um conhecido.” (...)
Camarada Aristides:
Recebi a vossa carta com o n/ cama-
rada Seni, no qual tomei conheci-
mento de que o tal piloto [António Lobato]
mudou da ideia que tinha
quando [se] encontrava em n/ poder cá
dentro.
Junto segue com o Djaló
a camarada Ernestina [Titina] Silá e
mais dois empregados, um da Casa
Gouveia e o outro da S.C. U. [Sociedade Comercial Ultramarina].
Seguem mais três rapazes, que
devem apresentar os seus nomes, [os] dos
seus pais, e mais [h]abilitações que têm, Todos eles têm [-se] dedicado muito
bem no Partido. Um deles estva já
[h] á 9 meses no mato juntamente
connosco.
Como sabes,aqui encontra-
-se também nalús e sossos, mas
[na sua maior] parte não têm instru-
ções necerssárias.
Junto segue nomes de camaradas Jugaré Natchuta,
Quecife Nina, Sebastião Monteiro,
Silvina Vaz da Costa, António
Araújo ou Insemba Juboté, Jaime
Nandia, filho da Jubana.
Agradeço fazer voltar Djaló ou oseu companheiro [o] mais depressa
possível porque estamos com falta
de munições.
Tenho a participar do ataque
feito a Calaque [na] área de Cacine,
sob o comando do camarada
Corona. Um grupo dos nossos
militantes teve um recontro
com as forças portuguesas onde
conseguiram [a]bater 17 soldados e
um ferido. Esse recontro foi
no dia 13 às 19h30. Caíram
do nosso lado os camaradas Iembaná [?]
Fuam de Cassumba en Nhina;
Tunqué Nhaberama
e Tunga Naquedama que fica-
ram feridos.
Agradeço aumentarmos [sic] mais materiais
para poder manter a nossa posição
defensiva em toda a área.
O que precisamos mais é de metra-
lhadoras ligeiras e pesadas. Mesmo
que mais 20, temos homens suficientes
para pegarem nelas. Do camarada
Marga [nome de guerra de 'Nino' Vieira] .
[Nomes propostos por 'Nino' Vieira, para;]
Estado (sic) de segurança: Ingaré Natchuta,
Sebastião Monteiro,
Quecife Naina,
Bolsas de estudo:
Orlando Paulo Trindade,
António Tambó Nhanque,
Jaime Nandaim, filho de Iembaná [?],
Ernestina [Titina] Silá,
Gilda Silá,
Silvina Vaz da Costa,
Celestina Marques Vieira, minha irmã"]
Cooperativas:
António Araújo ou Insemba Juboté,
Mamadu Camará,
Cristiano Vieira.
Agradeço mandar-nos oferecer
capas e relógios e películas.
Marga
(Seleção, revisão / fixação de texto / negritos / parènteses retos: LG)
Fonte: Casa Comum | Instituição:Fundação Mário Soares | Pasta: 04613.065.057 | Assunto: Recusa do piloto [António Lobato] de prestar uma declaração contra a guerra colonial na Guiné. Participa que seguem com o camarada Djalo e Ernestina Silá, dois empregados da Casa Gouveia, um empregado da Sociedade Comercial Ultramarina e três rapazes. Nalús. Falta de munições. Comunica o ataque em Calaque (Cacine) sob o comando de Corona (Ansumane Sanha II). Segurança. Bolsas de estudo. | Remetente: Marga (Nino Vieira) | Destinatário: Aristides Pereira | Data: s.d. | Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste) | .Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Correspondencia |
Citação (s.d.), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39139 (2024-3-14)
Guiné > s//l> s/d c. José Araújo e Nino Vieira, membros do Conselho Superior da Luta [José Araújo estava encarregue de acompanhar a delegação da UIE c- dezembro de 1970 / janeiro de 1971].
Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "José Araújo e Nino Vieira", Fundação Mário Soares / Mikko Pyhälä, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=11025.008.026 (2024-3-14) (com a devidfa vénia...)
2. Vale a pena reproduzir a descrição mais completa o Lobato faz deste encontro como 0 'Nino' (excertos das pp. 62/64, da 1ª edição, com a devida vénia):
(...) Uma vez do outro lado [do rio Cumbijã ?] encetamos uma marcha de cerca de duas horas, através de uma zona pantanosa, enterrados na
lama até meia perna. Paramos numa área a que chamam Dar-es-Salam [Darsalame] , onde se
encontra o acampamento do comandante da guerrilha da zona Sul, Nino Vieira.
Sentado no
tronco seco de uma árvore, o jovem chefe guerrilheiro, vestido de caqui verde
escuro, pés nus e espartilhados por sandálias de plástico, braços ornamentados
com grossos anéis de madeira e couro, um pedaço de couro pendurado ao pescoço
com uma tira de cabedal, mais parece a estátua inerte de um deus negro expulso
do Olimpo, do que o temível turra a quem todos obedecem, porque é “imune
às balas do tuga”.
À minha
chegada, o chefe levanta-se e olha-me de frente durante alguns instantes, sem
pestanejar e sente-se de novo. Só então
a sua voz quase feminina se faz ouvir: “senta”, diz ele.
Embora
esteja farto de saber o motivo por que ali me encontro, convidam a fazer o meu
próprio relato dos acontecimentos. Quando termino pergunta-me o que pretendo ao
que eu respondo, voltar para casa
Diz então, como quem se gaba dos poderes absolutos que detém, que poderia reenviar-me para Bissau ou que poderia até matar-me, mas que não irá fazê-lo pelo facto de há quinze dias atrás, ter recebido ordens de Amílcar Cabral, para fazer prisioneiros e dirigi-los a Conacri,
A seguir, questiona-me
sobre a minha família e fica a saber que sou casado há seis meses e que a minha
mulher está em Bissau. Tira, então, do bolso da camisa um pedaço de papel e uma
esferográfica. Estende-mos e diz que se quiser posso escrever uma carta à minha
mulher que ele garanta sua entrega.
Não acredito
nas suas palavras, mas como não tenho nada a perder, escrevo meia dúzia de
linhas e de devolvo lhe o papel que ele repõe cuidadosamente no bolso (sete anos e meio mais tarde, venho a saber que a carta
foi entregue à minha mulher em Bissau, por um guerrilheiro que aí se deslocou
durante a noite).
Passo três dias
no acampamento de Nino Vieira, sem que alguém se atreve a molestar-me ou mesmo
dirigir-me palavras insultuosas, como aconteceu nos dias anteriores.
O próprio
Chefe. apesar da sua frieza no trato, esforça-se por demonstrar uma certa
amabilidade, embora a carapaça endurecida por um embrear diário com a morte, frustre as suas intenções de cordialidade. Ambos reconhecemos
que existe entre uma espécie de
comunicação primária que denuncia a existência de um respeito mútuo.
(…) Neste quartel-general
(um acampamento idêntico ao da ilha do Como) há uma movimentação constante de
grupos de guerrilheiros que vão e vêm. É impossível determinar os efetivos
reais desta força, sempre em movimento.
Ao contrário
das noites silenciosas dos outros acampamentos, por onde passei, aqui, a atividade noturna parece ser mais
intensa que a diurna. Dorme-se pouco, fala-se também a voz, não se veem
fogueiras. O pouco que há para comer, aparece quente. (…)
(Seleção, revisão / fixação de texto / negritos e itálicos: LG)
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Nota do editor: